Curva DI: leitura básica para leigos
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Resumo executivo
A curva DI (Depósitos Interfinanceiros) é o “mapa” das taxas de juros esperadas para diferentes prazos no Brasil. Ela nasce dos contratos negociados na B3 que refletem projeções de CDI/Selic, inflação, prêmio de risco e liquidez. Ler a curva DI é enxergar o caminho que o mercado enxerga para os juros — e isso impacta investimentos (pós, prefixado, IPCA+), empréstimos (CDI+spread), o CET e o WACC das empresas. Nesta explicação, você entenderá: como a curva é formada; o que significa estar “inclinado para cima” ou “para baixo”; por que ela se mexe; e como usar essa leitura para tomar decisões melhores no dia a dia.
O que é a curva DI (em 1 minuto)
- Definição: é o conjunto de taxas implícitas para diferentes vencimentos (ex.: 1, 6, 12, 24, 36 meses). Cada ponto da curva reflete o juro esperado para aquele prazo.
- Origem: nasce do preço dos contratos de DI futuro e outros derivativos negociados na B3. Esses preços reúnem apostas/hedges de bancos, gestoras, tesourarias e empresas.
- Interpretação: a curva não é “previsão oficial”, mas sim a soma das expectativas e riscos naquele momento.
Se a Selic é a “foto” de hoje, a curva DI é o “filme” do que o mercado enxerga adiante. Quando o Copom corta/sobe a Selic, geralmente parte desse movimento já estava embutido na curva.
Como a curva DI se forma (sem fórmulas)
Os participantes do mercado compram e vendem contratos que travariam uma taxa de juros até uma data futura. O preço desses contratos embute quatro blocos principais:
- Expectativa de política monetária: de quanto será a Selic ao longo do tempo.
- Inflação esperada: quanto o mercado acredita que o IPCA ficará no período.
- Prêmio de risco: incertezas fiscais, políticas, externas (câmbio, commodities, geopolítica).
- Liquidez e técnica: fluxo de ordens, demanda de hedge, rolagens e ajustes táticos.
Resultado: cada vencimento (jan/26, jan/27, jan/28, etc.) “carrega” uma taxa. Conectando esses pontos, enxergamos a curvatura — a famosa inclinação.
Inclinação: o que significa “front”, “belly” e “long-end”
É comum dividir a curva em três trechos:
- Front (curto prazo): até ~12 meses. Reflete os próximos passos do Copom e dados imediatos (inflação corrente, atividade, câmbio).
- Belly (miolo): de ~1 a 3 anos. Mistura a “história” de cortes/altas com a trajetória de inflação e atividade. É onde muitos financiamentos corporativos “vivem”.
- Long-end (longo): acima de 3–5 anos. Carrega prêmios de prazo e risco. Responde a temas estruturais (fiscal, reformas, produtividade).
Quando a curva está positivamente inclinada (alta no longo > curta), o mercado pede mais juro para prazos longos — típico de incerteza maior ou inflação mais teimosa. Quando está plana ou invertida (curto > longo), indica que o juro curto está “apertado” e que, mais à frente, o mercado imagina queda da taxa.
Por que a curva mexe? (três motores)
- Dados e sinais: leituras de IPCA, IGPs, atividade, emprego, câmbio e falas de autoridades mexem com o front.
- Histórias macro: balanço fiscal, trajetória da dívida, reformas e ambiente externo movimentam o belly/long-end.
- Fluxo e técnica: rolagens de posições, ajustes de portfólio e demanda por hedge alteram curto/médio prazos.
Na prática, uma “surpresa” inflacionária hoje pode abrir o curto prazo e contaminar o miolo; uma notícia fiscal ruim pode abrir mais o longo do que o curto; uma fala do BC pode “reancorar” toda a curva.
Como a curva DI impacta a sua vida (PF e PJ)
Para investidores (PF)
- Pós-fixados (CDB/LC/LF, fundos DI): seguem o CDI, que conversa com a curva curta. Mudanças no “front” alteram o carregamento esperado.
- Prefixados: preços sobem quando a curva cai (juros futuros menores) e caem quando a curva sobe. É a tal marcação a mercado.
- IPCA+: títulos de inflação reagem ao juro real longo (curva real). Expectativas de inflação e prêmio de prazo são decisivos.
Para empresas (PJ)
- Crédito CDI + spread: o custo variável de giro e linhas atreladas ao CDI depende do “filme” da curva. Contratos longos precisam simulações de cenário.
- Debêntures, NP e alongamentos: emissões flutuantes olham CDI; emissões prefixadas/real olham pontos do belly/long-end.
- WACC e projetos: se a curva futura aponta juro mais alto, menos projetos passam no hurdle; se aponta queda sustentada, alongar dívida pode fazer sentido.
Leitura prática: 5 perguntas para “ler” a curva em 2 minutos
- O front está acima ou abaixo da Selic de hoje? Se abaixo, o mercado espera cortes; se acima, altas ou manutenção mais longa.
- O belly está mais alto ou mais baixo que o front? Se mais alto, o mercado “desconfia” da queda; se mais baixo, acredita em normalização rápida.
- O long-end embute prêmio elevado? Indica dúvidas sobre inflação/fiscal no longo prazo.
- Houve surpresa macro recente? IPCA, atividade, câmbio, fiscal — isso ajuda a explicar movimentos bruscos.
- A inclinação mudou? Fala do BC, dados ou fluxo podem ter “girado” a curva (steepening/flattening).
Como usar a curva para decidir (PF)
- Reserva de emergência: continue em pós-fixados líquidos (fundos DI D+0/D+1, CDB liquidez diária). A curva curta define seu “carrego”.
- Metas de 2–5 anos: use uma escada (ladder) combinando prefixados e IPCA+ conforme a inclinação. Curva inclinada para baixo favorece travar prefixado mais longo; curva inclinada para cima pede prudência no prazo.
- Proteção da inflação: IPCA+ faz sentido para preservar poder de compra. Preste atenção ao juro real embutido; quedas do real longo valorizam títulos já emitidos.
Como usar a curva para decidir (PJ)
- ALM e indexador: case dívida com receita. Se faturamento é em BRL “livre”, CDI pode ser natural; se há contratos IPCA ou receita USD, ajuste com swaps para corrigir base.
- Janela de alongamento: belly/long-end em queda abre espaço para alongar prazos via debêntures ou BNDES, reduzindo risco de rolagem.
- Hedge por buckets: política 30/90/180/360 reduz volatilidade do caixa e melhora percepção de risco do credor (spread menor).
- Covenants: negocie step-down de spread atrelado a DSCR/alavancagem; curvas mais benignas ajudam a robustecer DSCR, mas não conte só com o cenário.
Erros comuns (e o antídoto em uma linha)
- Olhar só a Selic → Simule com a curva futura; o custo real depende do caminho do CDI.
- Trocar tudo por prefixado numa queda → Se a queda já estava na curva, o ganho pode não vir; diversifique prazos.
- Ignorar o juro real → Em IPCA+, é o cupom real (e não só o IPCA) que manda no preço.
- Endividar-se em CDI com receita “travada” → Use swap ou mude de base para proteger DSCR.
- Hedge por “opinião” sobre dólar → Siga política de proteção; não confunda views com governança.
Exemplos ilustrativos (números redondos)
PF — prefixado x pós
Curva aponta CDI médio de 12% nos próximos 12 meses, caindo para 10% nos 12 seguintes. Um CDB pós carrega essa trajetória; um título prefixado de 24 meses a 11% pode ser interessante se você acredita que a queda será mais rápida que o embutido. Se a curva “errar para baixo”, o prefixado ganha na marcação.
PJ — giro em CDI + spread
Giro de 24 meses a CDI + 5,0%: simule três cenários (curva base, +1 p.p., –1 p.p.) e veja o DSCR mínimo. Se o risco for alto, encurte o prazo, troque garantias que “compram bps” e considere alongar parte via debênture/linha subsidiada quando o belly ceder.
Exportadora — swap de base
Empresa com 60% da receita em USD e dívida 100% CDI enfrentava volatilidade. Ao swapar CDI→USD em 50% e cobrir o residual com NDF, reduziu o risco de caixa e estabilizou covenants.
Playbook 30/90/180 dias
Em 30 dias
- Mapeie dívidas/aplicações por indexador (CDI/IPCA/USD), prazo e CET.
- Monte cenários com base na curva: base/otimista/estressado (PF: carteira; PJ: DSCR/covenants).
- Defina política de hedge por buckets (30/90/180/360) e governança (comitê, limites).
Em 90 dias
- Se o belly ceder, alongue passivos (debênture/BNDES) e renegocie spreads com novas garantias.
- Para PF, avalie uma escada de prazos em prefixados/IPCA+ para metas de 2–5 anos.
- Implemente dashboards de risco (CET, DSCR, CFaR) e ajuste limites.
Em 180 dias
- Reprecifique estruturas com step-down após metas atingidas.
- Padronize reporting para reduzir percepção de risco e custo (spread).
- Revise a política de caixa (reserva, tático, estratégico) com metas de duration.