Selic alta, inflação baixa: onde ainda há prêmio real?

Como medir prêmio real ex-ante, comparar CDI+/IPCA+/prefixado, avaliar crédito e liquidez, e montar um playbook de 90–180 dias com KPIs.

Dec 15, 2025 - 18:17
Dec 10, 2025 - 22:24
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Selic alta, inflação baixa: onde ainda há prêmio real?

Selic alta, inflação baixa: onde ainda há prêmio real?

Resumo executivo

Quando a Selic está alta e a inflação recua, o debate volta ao básico: onde está o prêmio real? Em outras palavras, depois de descontar inflação, impostos, custos e risco, o que sobra de ganho de poder de compra? Este artigo explica, sem economês, como medir prêmio real ex-ante (pelas expectativas) e ex-post (pelo IPCA realizado), onde ele aparece (CDI+, NTN-B/IPCA+, prefixados, debêntures e créditos isentos, CRI/CRA, LCI/LCA, fundos de crédito), e os trade-offs de duration, liquidez, tributação e risco de crédito. Para tesourarias corporativas, mostramos como alinhar ALM, “escalonar” janelas de prefixação e decidir entre pós/real/prefixado. Fechamos com um playbook de 90–180 dias, KPIs e CTAs para comparar CET e sensibilidade a cenários.

Prêmio real: a régua que impede ilusões monetárias

Prêmio real é o retorno acima da inflação. Medir isso corretamente pede três cuidados:

  1. Base comum: compare tudo em real (descontando IPCA esperado) ou tudo em nominal esperado. A identidade é: (1+nominal)=(1+real)×(1+inflação).
  2. Impostos e custos: o que importa é o líquido (IR regressivo, spread/fees, taxa de administração) e o CET quando há crédito.
  3. Risco e liquidez: prêmio real maior pode vir acompanhado de duration longa, cláusulas e menor liquidez. Avalie mark-to-market e “janela de saída”.

Mental model: se a Selic é alta e a inflação cai, pós-fixados (CDI+) já entregam real positivo por inércia. O prêmio extra aparece onde o mercado embute receios (fiscal, curva longa, crédito) que podem não se materializar.

Onde o prêmio real tem “cara” hoje

1) Pós-fixados CDI+: “o feijão com arroz” que muitas vezes basta

Com Selic alta, CDBs/LCs/tempos equivalentes em CDI+ entregam real positivo sem tomar risco de inflação ou de curva longa. Para caixa corporativo, priorize emissores de primeira linha e liquidez diária nas reservas táticas; no excedente, busque spread (CDBs/LCs de bancos médios, fundos de crédito high grade).

2) IPCA+ (NTN-B, debêntures reais, TLP)

Os títulos IPCA+ são a régua direta do prêmio real. Quando o mercado exagera o risco fiscal, as taxas reais sobem e abrem janelas de travar poder de compra por longos prazos (aposentadoria, passivos atuariais, PPAs, concessões). Para PF/tesouraria: atenção à duration; a marcação a mercado machuca no curto prazo, embora o carry real seja valioso.

3) Prefixados (LTN/NTN-F, NP, LC/CRI/CRA prefixados)

Prefixado é aposta na queda do nominal. O prêmio real está no excesso de pessimismo: quando o mercado precifica juros “eternos” e a inflação cede, prefixar tranches curtas/médias pode capturar compression de taxa e ganho real relevante. Evite concentração e balize com cenários.

4) Isentos: debêntures incentivadas, CRI/CRA, LCI/LCA

Para PF, a isenção amplia o líquido real. O prêmio aparece em estruturas: (i) IPCA+ spread com garantias e covenants sólidos; (ii) CRI/CRA com subordinação adequada e lastros previsíveis; (iii) LCI/LCA com bancos médios pagando acima da curva. Compare sempre o equivalente tributado.

5) Fundos de crédito high grade e FIDCs

Fundos que compram debt corporativo bem selecionado entregam spread sobre CDI ou IPCA. O prêmio real vem da originação (privados, operações estruturadas) e da capacidade de navegar eventos. Exija transparência de carteira, métricas de inadimplência e duration efetiva.

PF x PJ: o que muda para tesourarias

Empresas não otimizam “retorno absoluto”; otimizam custo de oportunidade do caixa vs. custo da dívida, respeitando políticas de risco. Três decisões-chave:

  • Reserva de liquidez (0–3 meses): instrumentos D+0/D+1 em CDI elevado. Prioridade é liquidez e segurança.
  • Excedente tático (3–12 meses): ampliar spread (CDBs médios, fundos HG) e considerar prefixar fatias quando a curva abre.
  • Excedente estratégico (>12 meses): travar IPCA+ em janelas favoráveis, especialmente se passivos/reajustes são reais. ALM reduz mismatch de indexadores.

O prêmio real “ganho” no caixa corporativo é, muitas vezes, o spread economizado por redução do CET do passivo (prefixar ou alongar dívidas quando a janela aparece).

Métricas que importam (e as que enganam)

  • Real ex-ante: taxa real implícita usando IPCA esperado. Útil para decisão.
  • Real ex-post: medido depois. Serve para pós-controle, não para aprovar projeto.
  • Carry vs. Mark-to-market: o primeiro paga a conta; o segundo define sua paciência.
  • Duration modificada: sensibilidade a choques de taxa. Não leve duration longa para quem precisa de D+1.
  • Liquidez: prazo de resgate, bid-ask de papéis, janelas em fundos/estruturados.

Estratégias práticas para capturar prêmio real

  1. Barbell: parte em CDI+ curtíssimo (reserva) e parte em IPCA+ (janelas “gordas”). Flexibilidade para recompor.
  2. Escada de prefixados (12–36–60 meses): dilui risco de “ponto de entrada”.
  3. ALM pelo índice: se a receita/reajuste é por IPCA, faça do IPCA+ sua espinha dorsal e use CDI+/prefixado como ajuste fino.
  4. Isentos com critério: foco em garantias, subordinação e covenants — não apenas no “% do IPCA”.
  5. Crédito high grade para spread: diversificar nomes/ setores e evitar concentração de vencimentos.

Exemplos ilustrativos (números hipotéticos)

Considere IPCA esperado de 4,0% a.a. e Selic efetiva de 12,75% a.a.:

  • CDI+ 100% líquido (PF, alíquota média 17,5%) ≈ nominal 10,5% → real ≈ 6,3% a.a.
  • NTN-B 2030 a IPCA+6,0% (PF) → real 6% a.a.; marcação pode variar, mas carry real é contratual.
  • Prefixado 12,0% (PF) → real esperado ≈ 7,7% a.a.; se a curva cair, há ganho de preço adicional.
  • Debênture incentivada IPCA+5,5% (isenta) → real 5,5% a.a. líquido com risco de crédito/obra/garantias.

Leitura: o “vencedor” depende da sua necessidade de liquidez, tolerância a volatilidade e riscos contratados.

Riscos que podem “comer” o seu prêmio real

  • Fiscal e curva longa: piora do quadro pode elevar juros reais e derrubar preços de IPCA+/prefixados (mark-to-market).
  • Inflação surpresa: IPCA acima do esperado reduz real ex-ante; IPCA muito abaixo pode punir prefixados já travados alto (oportunidade perdida).
  • Crédito: spread bom demais sem garantias é “prêmio por problema”.
  • Liquidez: estruturas com janela de resgate e secundário ralo não combinam com obrigações de caixa curtas.
  • Tributação: ignore IR e taxas, e o “prêmio real” vira miragem.

KPIs para o comitê

  • Prêmio real ex-ante por classe (CDI+/IPCA+/prefixado/isentos/fundos).
  • Duration média e muro de vencimentos (12/24/36+ meses).
  • Liquidez efetiva (D+0/D+1/D+30) e % de carteira “travada”.
  • Spread de crédito médio e concentração por emissor/setor.
  • Mark-to-budget (MtB) vs. política de investimento e ALM.

Playbook de 90–180 dias

  1. Diagnóstico: traga tudo para base comum (nominal esperado) e calcule real ex-ante por classe; mapeie liquidez e duration.
  2. Política: defina bandas-alvo para CDI+/IPCA+/prefixado, limites por emissor e métricas de risco (duration, concentração, VaR simples).
  3. Execução: monte barbell (reserva CDI+ curta + IPCA+ longo) e escada prefixada em tranches; adicione isentos/credito HG com critérios.
  4. ALM: alinhe indexadores com reajustes/obrigações (salários, aluguel, contratos de venda); elimine mismatch óbvio.
  5. Monitoramento: painel mensal com prêmio real, duration, liquidez, spread e MtB; rebalance por bandas (não por manchetes).
  6. Governança: atas, memória de preço e compliance (proibições de trading direcional em derivativos fora do escopo de hedge).

💠 Aurum — comparar real ex-ante e CET 📊 Mercado de Capitais — debêntures/NP/LC 🏛️ Linhas BNDES — IPCA+/TLP para CAPEX

FAQ — dúvidas rápidas

Se a Selic cair, perco prêmio real no CDI?

O real depende da inflação também. Se Selic cai junto com IPCA, o prêmio real pode se manter. Para preservar prêmio com visibilidade, combine CDI+ com IPCA+ e prefixados em escada.

IPCA+ sempre é melhor para “longo prazo”?

Para preservar poder de compra, sim — mas a duration exige tolerância a marcação a mercado. Use IPCA+ como espinha dorsal e evite concentrar vencimentos.

Prefixado é “aposta”?

É uma visão de taxa nominal. Reduza risco fazendo tranches, comparando com nominal esperado de IPCA+ e mantendo reserva em CDI+.

Crédito isento vale sempre?

Isenção ajuda no líquido, mas risco, garantias, subordinação e liquidez mandam. Compare com o equivalente tributado e diversifique.

Como medir “sucesso”?

Use KPIs: prêmio real ex-ante médio da carteira, duration, liquidez, spread, e MtB vs. política. Menos ruído, mais processo.

Conclusão

Selic alta com inflação baixa não é convite para “qualquer coisa rende”. É hora de padronizar comparações, medir prêmio real ex-ante e escolher a combinação adequada de CDI+, IPCA+, prefixados e crédito, respeitando duration e liquidez. Para PF, isentos bem estruturados ampliam o líquido real; para tesourarias, o “alfa” está no ALM e no timing de prefixar/alongar passivos. Processo vence manchete.

Conteúdo educativo; exemplos são ilustrativos e não constituem recomendação financeira, jurídica ou tributária.

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Vinicius Teixeira Vinicius Teixeira é especialista com mais de 15 anos de experiência no mercado financeiro, atuando com foco em soluções estratégicas para câmbio, crédito estruturado e inteligência financeira para empresas. Ao longo da carreira, ajudou centenas de negócios a tomarem decisões mais inteligentes e rentáveis, sempre com uma abordagem analítica, consultiva e baseada em dados. Fundador da GX Capital, Vinicius combina sua vivência de mercado com o uso de tecnologias avançadas e inteligência artificial para oferecer uma nova geração de serviços financeiros. É também palestrante, tendo participado de eventos e formações voltadas à educação financeira e à transformação digital no setor. No portal da GX Capital, compartilha sua visão sobre o futuro do mercado, tendências econômicas e estratégias práticas para empresas que querem crescer com eficiência e segurança.