Covenants — como funcionam, como calcular e como negociar headroom

Tipos de covenants, definições críticas, armadilhas, remédios (waiver/reset), KPIs, painel mensal e playbook de 90–180 dias.

Nov 18, 2025 - 15:00
Nov 17, 2025 - 22:34
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Covenants — como funcionam, como calcular e como negociar headroom

Covenants: o mínimo que você precisa saber (sem juridiquês)

Resumo executivo

Covenants são cláusulas de comportamento e métricas que disciplinam a relação entre empresa e credores. Eles não existem para “pegar” a companhia, mas para evitar surpresas e alinhar risco-retorno. Na prática, porém, muitos contratos são assinados com métricas difíceis de cumprir em ciclos voláteis — e o primeiro choque vira corrida por waiver. Este guia explica, sem juridiquês, o que é cada tipo de covenant (financeiro e não financeiro), como se calcula, onde estão as armadilhas de contabilidade, como negociar headroom realista, que remédios costumam aparecer (step-up, cash sweep, restrições) e como montar um painel mensal que evite que o tema estoure de madrugada. Trazemos exemplos práticos, KPIs, um playbook de 90–180 dias e CTAs para simular CET, comparar instrumentos de mercado e linhas BNDES.

Covenants: o que são (sem economês)

Pense em covenants como regras do jogo do crédito. Parte deles é financeira (números que você precisa manter), e parte é operacional/contratual (coisas que você pode ou não fazer). Se você cumpre, segue o jogo; se descumpre, aciona-se um default técnico, que dá ao credor o direito de negociar remédios, cobrar multas, elevar juros (step-up) ou, em casos extremos, vencer a dívida.

  • Financeiros: alavancagem (Dívida Líquida/EBITDA), DSCR (EBITDA ou Fluxo Operacional/Serviço da Dívida), ICR (EBITDA/Despesas Financeiras), Liquidez (Caixa/CP), cobertura de garantias, limites de CAPEX.
  • Não financeiros: negative pledge (não dar garantias a outros), limitation on indebtedness (limite para novas dívidas), restricted payments (dividendos), reporting (envio de DFs), change of control, obrigações ambientais/trabalhistas, MAC (mudança adversa relevante).

Regra prática: bons covenants fazem a empresa pensar antes de assumir risco, mas não devem impedir a operação em ciclos normais.

Como se calcula (e onde mora o erro)

O diabo mora na definição das linhas e nos ajustes permitidos. Exemplos:

  • EBITDA Ajustado: pode excluir itens “não recorrentes” — mas o que é “não recorrente”? Defina por escrito e limite o total anual.
  • Dívida Líquida: caixa restrito entra? Hedge com mark-to-market negativo entra? E leasing (IFRS 16)?
  • Serviço da Dívida (para DSCR): inclui amortização + juros + fees + hedge? Considera somente o período-janela ou os 12 meses seguintes (forward-looking)?
  • ICR: despesas financeiras antes ou depois de variações cambiais e resultado de derivativos?

Replique as fórmulas do contrato na sua planilha de orçamento e no painel mensal. “Quase igual” não serve.

Headroom: a folga que separa o sono tranquilo do waiver

Headroom é a distância entre o resultado projetado e a régua de covenant. Não confunda com “sobra de caixa”. Em dívidas indexadas (CDI, IPCA, USD), o headroom precisa sobreviver a choques de:

  • Margem (queda de preço/volume, aumento de custo);
  • Juros (abertura da curva);
  • Câmbio (impactos em custo/receita/resultado financeiro);
  • Calendário (atrasos de CAPEX, ramp-up, sazonalidades).

Faça testes de estresse: por exemplo, -10% de EBITDA e +200 bps no CDI; BRL +10%/−10% para empresas expostas a USD. O headroom “mínimo” depende do setor, mas bandas de 20–30% de folga costumam dar respiro.

Remédios usuais (e seus custos reais)

  • Waiver pontual (perdão do descumprimento): geralmente vem com fee, step-up de juros temporário e/ou covenants adicionais.
  • Reset/realinhamento: reescrever as bandas para refletir a nova realidade. Custo: honorários, eventuais garantias novas e, às vezes, restrições a dividendos.
  • Cash sweep: obrigação de usar parte do caixa excedente para amortizar dívida.
  • Proibições e travas: limitação de M&A, CAPEX, endividamento adicional.

Trate remédio como opção cara: negociar antes de estourar evita “taxa de urgência”.

Mapeamento por produto: banco x BNDES x mercado

  • Bancário: covenants mais “vivos”, com revisão frequente e cláusulas cruzadas (cross-default).
  • BNDES/TLP: foco em indicadores operacionais do projeto, DSCR e salvaguardas; regras de reporting e contas vinculadas.
  • Mercado de capitais (debêntures/NP/CRI/CRA): covenants padronizados por série; assembleias de debenturistas decidem ajustes; agente fiduciário monitora.

💠 Aurum — CET comparativo (CDI/IPCA+/USD) 📊 Instrumentos de Mercado — debêntures/NP/LC 🏛️ Linhas BNDES — prazos e carência

Armadilhas comuns (e como evitar)

  • Definições vagas de EBITDA ajustado, itens não recorrentes e caixa restrito.
  • Bandas “bonitas no papel” sem headroom para o ciclo — estouram no primeiro choque.
  • Cross-default ignorado: quebrar um covenant pequeno aciona default em toda a estrutura.
  • Calendário mal casado: medir covenants em trimestre de baixa e fechar orçamento no anual.
  • Contabilidade/IFRS sem reconciliação contratual (IFRS 16, derivativos, hedge accounting).
  • Comunicação tardia com agente fiduciário/banco — piora a barganha no waiver.

Exemplos práticos (ilustrativos)

Infraestrutura com DSCR trimestral

Projeto com receita reajustada por IPCA e dívida IPCA+ amortizante. Estresse de demanda derruba DSCR para 1,18× vs. covenant 1,20×. Remédio: waiver com step-up temporário, cash sweep de 30% do caixa livre e escada de tarifas aprovada pelo regulador.

Indústria alavancada em CDI+

Abrupta alta do CDI eleva despesas financeiras e derruba ICR. Remédio: realocar mix de dívida para IPCA+ e prefixado, adicionar swap parcial e negociar limite de CAPEX por 12 meses em troca de banda mais realista.

Varejo com cláusula de restricted payments

Venda de uma unidade gera caixa e apetite por dividendos, mas a alavancagem ainda está alta. Remédio: carve-out de dividendos atrelado a gatilho de alavancagem < 2,5× e ICR > 2,0×; até lá, dividend lock-up.

KPIs e painel mensal de covenants

  • Alavancagem (DL/EBITDA) com trilho de convergência trimestral.
  • DSCR e ICR em base rolling 12m e forward (próximos 12m).
  • Headroom por covenant e por série de dívida (em p.p. e %).
  • Eventos de documentação (reporting, auditoria, atualizações de garantias) com SLA e responsável.
  • Stress tests (±10% EBITDA, ±200 bps CDI, BRL ±10%) e impacto no headroom.
  • Muro de vencimentos, concentração por trimestre e mix de indexadores.

Negociação inteligente: antes, durante e depois

  1. Antes: traga memória de preço (curvas, cenários), proponha definições de EBITDA/DL claras, solicite bandas “em rampa” (mais frouxas no início, apertando depois) e covenants-springing (só ativam acima de certo endividamento).
  2. Durante: se a projeção mostra risco, avise cedo. Peça waiver ex ante ou reset com contrapartidas razoáveis (reporting extra, limites temporários), em vez de aceitar step-up permanente.
  3. Depois: documente aprendizados, ajuste política de caixa/hedge e revise o mix de indexadores para reduzir sensibilidade de ICR/DSCR.

Playbook de 90–180 dias: tirando covenants do improviso

  1. Semana 0–2 — Inventário: consolide todos os contratos, fórmulas exatas, prazos de reporting e triggers de default. Faça uma matriz de covenants por credor/série.
  2. Semana 3–6 — Modelagem: replique as fórmulas no budget e no painel. Rode cenários e stress tests; calcule headroom e identifique “muros”.
  3. Semana 7–10 — Redesenho: proponha ajustes (definições, bandas em rampa, springing) e mix de dívida (CDI+/IPCA+/prefixado/USD) para suavizar métricas.
  4. Semana 11–14 — Negociação: abra diálogo com bancos/agente fiduciário antes do estresse. Prepare pacote de contrapartidas (reporting, limites temporários) em troca de waiver/reset.
  5. Semana 15–18 — Execução: formalize termos, atualize garantias e rotinas de reporting. Ajuste hedges e calendário de CAPEX conforme o novo trilho.
  6. Semana 19–26 — Governança: comitê mensal de covenants com KPIs, riscos, ações e memória de preço dos mercados (juros/câmbio).

🧮 Aurum — comparar CET e sensibilidade (ICR/DSCR) 📑 Mercado de Capitais — simular emissão/rolagem 🏗️ BNDES — prazos longos e DSCR

FAQ — perguntas rápidas

Descumpri um covenant. Virei default?

Em geral, é default técnico. Você tem prazo (curing period) para negociar waiver ou reset. Atue rápido e com dados; transparência melhora termos.

Posso “contornar” com reclassificações contábeis?

Não conte com isso. O contrato define as métricas e os ajustes aceitos. Combine antes. Reclassificar depois mina credibilidade.

DSCR e ICR: qual é mais importante?

Depende da estrutura. Em project finance, DSCR manda. Em dívidas corporativas, ICR e alavancagem costumam pesar mais.

Hedge ajuda em covenants?

Sim. Swaps e opções reduzem volatilidade de despesas financeiras e ajudam ICR/DSCR. Mas hedges mal casados podem piorar (ex.: over-hedge com mark-to-market negativo que aumenta DL).

Dá para “importar” covenants de outro contrato?

Melhor não. Cada credor tem apetite e estrutura. Use seu contrato de referência como base, mas negocie definições e bandas alinhadas à sua realidade.

Conclusão

Covenants não são inimigos; são guarda-corpos. A diferença entre um acordo que protege e um que sufoca está nas definições precisas, no headroom crível e na governança que antecipa problemas. Ao padronizar fórmulas, rodar cenários, negociar em rampa e manter diálogo com credores, sua empresa transforma covenants em disciplina — não em bomba-relógio. Use os simuladores para levar números (não adjetivos) à mesa e escolha a estrutura de capital que você consegue cumprir mesmo quando o vento muda.

Conteúdo educativo; exemplos são ilustrativos e não constituem recomendação financeira, jurídica ou contábil.

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Vinicius Teixeira Vinicius Teixeira é especialista com mais de 15 anos de experiência no mercado financeiro, atuando com foco em soluções estratégicas para câmbio, crédito estruturado e inteligência financeira para empresas. Ao longo da carreira, ajudou centenas de negócios a tomarem decisões mais inteligentes e rentáveis, sempre com uma abordagem analítica, consultiva e baseada em dados. Fundador da GX Capital, Vinicius combina sua vivência de mercado com o uso de tecnologias avançadas e inteligência artificial para oferecer uma nova geração de serviços financeiros. É também palestrante, tendo participado de eventos e formações voltadas à educação financeira e à transformação digital no setor. No portal da GX Capital, compartilha sua visão sobre o futuro do mercado, tendências econômicas e estratégias práticas para empresas que querem crescer com eficiência e segurança.